Quando se der conta que você é morte

Agora você é a mãe ou o pai, você é a tia ou o tio, você é a referência. Todas as pessoas que você ama, que fizeram de você quem você é, suas próprias referências vão simplesmente deixando esse mundo. Uma a uma. Uma após a outra. Algumas sentindo dor, outras convalescidas, algumas levadas pelo sono. Sem exceções ou critério vão simplesmente partindo e deixando suas marcas no mundo, marcas em você, na sua história.


Você? Você fica. Tem seu próprio caminho a trilhar. Um mundo inteiro para desbravar. Assiste a todas as partidas e se despede como e quando pode. Do jeito que dá. Que frase horrível. Que verdade dolorida e difícil de se engolir.
Existe culpa, arrependimentos, medos, incertezas. Nada disso muda o passado, nada mudará o futuro e inevitavelmente as pessoas continuarão partindo.

Você pode se apegar na crença que quiser. Mas, ainda vai chorar e sofrer. É impossível não sentir a dor da separação. Você vai se sentindo cada vez mais sozinho. Sentindo que sua identidade está desaparecendo com cada pessoa que parte. Sem saber quem você é. Você vê o lugar de onde veio se esvaindo no tempo. Pedaço por pedaço. Pessoa por pessoa. De repente tudo parece sem sentido. Sua única certeza é o tic-tac do relógio batendo desenfreadamente e levando para longe sua história.

Você precisa ser a fonte, a força, a direção. Mas qual direção, se você já nem sabe mais de onde veio ou para onde e quando irá.

Até que um dia você também deixará de existir neste mundo. Se transformará em uma lembrança, em lágrimas e dor. Se der sorte receberá homenagens com frases tão lindas, mas que nunca lhe foram ditas em vida. Descobrirá o quanto você era amado, mas não sentiu, pois não sabia. Depois se transformará em memórias alegres. Aparecerá em poucas lembranças a cada década, ou ao contar da história dos que ficaram, em quem você deixou marcas. Com o tempo simplesmente deixará de existir nessas histórias também, nessa era.

Em algum momento ninguém mais se lembrará de você. Nem do que você foi, nem do que fez. De bom ou ruim. Nem do que você deixou. Nem do que você levou em silêncio ao túmulo.

Como poeira voará ao vento e se dissipará na imensidão da vida. Será aspirada por pessoas que nem sabe quem são, nem saberão quem você é. Quem você foi.


Assim será seu fim. De fato, a verdade é que você começou a morrer no dia em que nasceu. Alguns chorarão, outros se alegrarão com a sua partida e não é possível prever ao certo. Você nem ao menos será algo. Levará consigo até as lágrimas e as dores que outrora sentiu quando se deu conta de tudo isso. Porque naquele momento você foi o pai ou a mãe, você foi o tio ou a tia, você foi o caminho e o aconchego, quem precisava dar o suporte e a direção. Atrás de você tudo ruía. Atrás de você nada mais sobrava. Por quê? Porque você já era a morte e não sabia, a morte que ia levando consigo tudo e todos por onde passava. Empurrando a vida para frente. Apagando o passado. O seu passado e o seu futuro.

Vá em paz vida nova que deixou de existir. Vá em paz vida velha que um dia esteve aqui.

Autora: Thais Paolucci