A gente sempre sabe quando chega a hora de voar

A gente sempre sabe quando está chegando ao fim. De fato costumamos fingir que não sabemos, que não notamos os sinais. Vamos nos adaptando a nova realidade aos poucos. Nos adaptando às noites que se passam longe, as palavras ríspidas, a pouca conversa, a falta de sintonia e conexão, a falta de amor. Companheirismo, cumplicidade e gratidão são raros e ainda assim irreais. Mas ali estamos, ali permanecemos. Negando o fim.

Os dias vão passando. Os sentimentos bons vão sendo esquecidos. Massacrados pela dor, pela tristeza, pela decepção. O romance já não existe. Tudo passa a ser cobrado, forçado, monetizado. Só existe julgamento e expectativas, que só nascem para fracassar, sabemos bem.

O mais observador sofre primeiro. Pois logo se vê sem saber o que fazer diante da situação. É como ver o navio em que se está afundar e nada poder fazer a não ser observar. Sofrer calado. Sentir toda a dor e a agonia, sabendo do final, sem nada poder fazer para que o navio não naufrague.

Se engana quem pensa que se pode mudar a situação. Isso não passa de ilusão de quem nega a situação. Tal como as fases do luto, eis a negação. Pois sim, já se está vivendo o luto de uma morte que vem lenta, mas leva a vida de todos aos poucos, arrancando o encanto do encontro que há muito se tornou cotidiano, nada vivaz e não se refaz.

A gente sempre sabe quando chega ao fim. As vezes ainda existe sentimento. Outras não. Mas, não se sabe. As vezes a direção é clara e o caminho resplandece esperança e dá chance à vida. Outras, a passagem se mostra um limbo perpétuo com fronteiras que não se pode enxergar nem ao certo saber se existem.

Erguemos nossos braços em pedido de socorro. Esperamos que alguém nos veja e nos salve. Nos retire desse limbo de almas frustradas, perdidas nos próprios sonhos e desejos. Mas ninguém vem. Nada muda. Pois ao certo também sabemos que não adianta esperar de fora a salvação, se é dentro que está a âncora que nos prende ao chão.

A borboleta tem medo de voar. Medo de abrir as asas. Pois sabe que voará alto e triunfante em sua glória própria, refletindo a luz da existência com amplitude no brilho. Mas abrir as asas e realmente poder voar significa deixar para traz o que sonhou, as expectativas que criou, o amor que idealizou, a flor na qual repousou em busca de afeto, proteção, segurança, em busca do seu lar.

A flor já não é mais lar. É um ambiente hostil que a ataca, corta as suas asas, fere suas estruturas, desequilibra e apaga sua essência, afoga seu respirar. Mas a flor, ah a flor. Parecia tão bela, tão sábia, compreensiva, perpétua, amiga. A flor lhe acalentaria, cobriria com amor, envolveria em carinhos, a ergueria para alcançar as nuvens de algodão dos mais altos sonhos. A flor lhe fez promessas, lhe jurou amor eterno. A flor lhe encantou com as cores de pétalas pintadas, escondeu os espinhos, perfumou o vazio que havia dentro e calçou a base para a fazer pousar. Mas, agora lhe tira do solo, a lança ao vento e a mantém amarrada, sendo puxada de volta numa dependência criada para o único satisfazer do ego da própria flor como ser indispensável para a vida da borboleta que ricocheteia em sofrimento.

Cruel pensar nessa natureza. Cruel pensar neste amor. A borboleta mais uma vez se vê sufocada em um engano. Pobre iludida. Outra vez mais se deixou enganar. Flores iguais, com perfumes diferentes, cores melhor escolhidas. Mas na essência igualmente putridas.

Ah, borboleta, alça teu vôo. Prepara-se no solo. Faça-se lagarta de novo, para que asas mais fortes nasçam e te permitam voar além. Para outras flores de um jardim mais real. Para um novo Jardim só teu. Onde plante as flores que desejar e arranque as daninhas e as que se façam pintar de cores que te agradem, mas queiram apenas te enganar. Ah borboleta, quando foi que esqueceste quão belo podes voar? Aonde foi que abandonates a memória do prazer de sentir o vento passar por dentre suas asas a bater e desfilar pelo céu infinito na plenitude do existir e na essência do ser?

Voa minha borboleta. Faz-se lagarta. Exploda em luz. Abra tuas asas. Alça teu voo. Que te acompanhe a experiência e se a flor em que tu tentaste repousar lhe quiser acompanhar, que se faça lagarta e ainda que com asas pequenas voe para te encontrar. Voe minha borboleta. Vá libertar-se.

Porque a gente sempre sabe quando acabou. Não importa o quanto se queira negar. A escolha é entre ir e ficar. Entre viver e apenas existir. Entre voar ou apodrecer e se deixar absorver pelo chão que já engoliu a flor há tanto tempo que não se pode contar.

Talvez o que foi já o tivesse de ser.

A gente sabe, a gente sempre sabe.

Autora: Thais Paolucci